"Autopsi: dissecando a tecnologia via arte"
(Simone de Mello: Deutschewelle)

- "Todas estas linhas eletrônicas vão se dissolver num ponto im aterial,
sem posição definida, mas nos nossos monitores. O que você acha?"
- "Dissolução digital de verão, experimentada do topo de uma montanha,
perto de um antigo castelo..."

Por mais que pareça, isso não é nenhum registro de caixa-preta, mas sim um
trecho do chat ocorrido durante a vernissage do grupo autopsi, na última
sexta-feira de maio, em Colônia.

Enquanto os três integrantes do grupo, entre os quais o paulista Mario
Ramiro, recebiam o prêmio municipal "Chargesheimer", nas áreas de foto /
video / filme, pelo projeto de um centro de experimentação para arte e
tecnologia, corria a conversa via Internet entre o quarto integrante,
ligado na rede, em Nova Iorque, o público da exposição e interessados de
todo o mundo.

O autopsi se autodefine como uma geração de artistas que cresceu na era
analógica, mas trabalha sob o efeito das técnicas digitais. Mario Ramiro,
que desde suas intervenções urbanas em São Paulo, na passagem dos anos
70/80, até seus últimos experimentos com a materialização do invisível, por
meio da técnica da Schlierenfotografie - sempre procurou extrair da
tecnologia o que há de arte, comenta o que sintoniza o autopsi:

(O-TON / Ramiro): "nós somos em quatro: eu, Thomas Roppelt, Achim Mohné e
Andreas Köpnick.  A gente se conheceu na Kunsthochschule für Medien, a
Escola Superior de Arte e Mídia da cidade de Colônia. Lá a gente acabou
sentindo uma certa identificação entre os nossos trabalhos. A gente
percebeu que a nossa arte não está ligada só à idéia do uso de
alta-tecnologia, que é uma coisa muito comum hoje em dia.  Os artistas que
trabalham com alta-tecnologia hoje em dia se parecem mais como bancários,
trabalham em frente aos seus computadores, nunca têm as mãos sujas, nunca
mais entram num atelier. O que nos interessa é não só a relação entre arte
e tecnologia, mas também a pesquisa de alta e
baixa-tecnologia".

Ao recorrer à baixa tecnologia - por exemplo, em instalações mecânicas,
magnéticas ou elétricas - os artistas mostram que muitos fenômenos
vinculados à era digital já estavam de certa maneira presentes no nosso
contato cotidiano com outros meios, meios que - como prolongamento do nosso
corpo - acabaram se tornando óbvios e, portanto, praticamente invisíveis.

Com trabalhos expostos em Colônia até o dia 25, o autopsi torna visvel até
que ponto tecnologia e mídia modelam a nossa percepção.

Um interruptor de luz, nada mais cotidiano, nada mais imperceptível.
Ao convidar o observador a acionar o botão, Thomas Roppelt acaba nos
lembrando que acender a luz não deixa de ser uma ação interativa. A
trajetória da eletricidade, redistribuida por uma série de relés a lâmpadas
de neon, parece - no entanto - aleatória, disfuncional. Quando se rompe o
automatismo da relação ligue / desligue, ação / reação, entra em cena o
acaso, imprevisivel.

Objetos disparatados, articulados num texto.  Fios elétricos ligam as
partes de uma boneca de plástico, desmembrada sobre a mesa. Quando a luz
refletida por um globo espelhado, giratório, atinge determinados sensores,
os membros se movem, esboçando gestos involuntários. Um monitor mostra
imagens intercaladas da boneca, do avião-miniatura que gira sobre a mesa e
de discursos pré-gravados de generais da OTAN. Ao lado do indicador que
registra os movimentos da boneca, uma foto de Slobodan Milosevic. A crítica
é evidente, dispensa comentários. Nesta instalação de Andreas Köpnick, o
mais elaborado é a ironia da apresentação: os elementos se perdem num
emaranhado de fios e parafernálias, sem qualquer cuidado aparente com a
composição. Um Kit-Kosovo, feito em casa: interessante contraponto dos
sofisticados jogos norte-americanos de simulação da guerra na Iugoslávia.

Duas poltronas, um cinzeiro, uma TV, um video com episódios da série cult
de TV alemã "Der Komissar". Seguindo à risca a idéa programática do grupo
de "submeter as entranhas misteriosas dos corpos técnicos a uma autópsia",
Achim Mohné vira a tecnologia do avesso. O aparelho de video, aberto, mera
carcaça de fios, sem qualquer segredo. O filme vazando da fita, escorrendo
diante do monitor, se emaranhando no chão, materializando a passagem do
tempo e das imagens. Um ritual silente. No monitor, pessoas conversam e
fumam, fumam e conversam; na sala de exposição, idem. Imagem, meio e
realidade em associação mneumônica, num intercâmbio quase osmótico. Um jogo
entre a lembrança individual e coletiva e a memória da midia: um motivo
recorrente nas instalações do artista.

Já os trabalhos gráficos de Mario Ramiro restabelecem a ponte entre arte da
fotografia e o espaço urbano, sob o signo da comunicação de massa. As suas
paródias de cartazes de rua combinam imaginação pessoal e imaginário
coletivo num jogo irônico, inquietante. Madona, top-models, DJ's Mario &
Morio: autobiografia & iconografia da cultura de massa, divulgação como
ficção. A linguagem da solução, a sedução da imagem. A idéia, nas palavras
do artista, é - entre outras coisas -  lançar o espectador numa zona de
tensão entre a contemplação e o consumo.  Remetendo-se a trabalhos já
realizados e a serem realizados, Mario Ramiro re-encena sua obra na
linguagem da propaganda, se lança e relança em diversas personae: como
motivo de sua própria câmera, como cantor, como DJ, como marca registrada.
O público paulistano pode ver estas aparições mutantes numa exposição no
SESC-Pompéia, até 10 de junho, ou então conferir o artista pessoalmente, na
palestra "Fotografia no Século XX", no Espaço Porto Seguro de Fotografia,
dia 15 , em São Paulo.

Na exposição de Colônia, o autopsi atinge a sua meta programática de
revelar o que há de heterogêneo (e não de homogêneo) na interface, no ponto
de contato entre homem e máquina. A própria heterogeneidade do grupo, suas
diversas faces -  Mario Ramiro, Achim Mohné, Andreas Köpnick, Thomas
Roppelt -  ampliam ainda mais a percepção deste ponto.
A: "... um ponto imaterial ..."
G: "... do topo de uma montanha ...". (Câmbio)

Mais detalhes no site http://www.autopsi.de